domingo, 29 de agosto de 2010

Rodovias Estratégicas na Amazônia

Por Nilder Costa (Alerta em Rede)
O desbalanceamento da matriz de transportes brasileira, assim como o estado das vias existentes, têm sido um tema recorrente neste Alerta. Se é verdade que o atual governo federal tem promovido iniciativas importantes para uma mudança desse quadro, como a elaboração do PNLT (Plano Nacional de Logística e Transportes), melhorias no sistema ferroviário e outros, a realidade é que o modal rodoviário ainda é responsável por cerca de 70% do total transportado no país. Além disso, as rodovias brasileiras adquiriram uma grande relevância estratégica, principalmente para a região Norte, a partir da década de 1960. [1]

Por isso mesmo, reveste-se de importância singular a afirmativa do diretor geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, que os trechos (ver mapa) de quatro rodovias que cortam a região Norte - a BR-364 no Acre, que liga Rio Branco a Cruzeiro do Sul; a BR-163, entre Mato Grosso e Pará; a BR-319, entre Porto Velho e Manaus, e a BR-230, também conhecida como Transamazônica - poderão ser concluídos até o fim de 2012.
Fonte: VALOR
A BR-364 corta todo o Acre e o trecho faltante entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul, com 500 quilômetros de extensão, já consumiu mais de R$ 1 bilhão em investimentos. De acordo com Pagot, "Havia pressão para que essa obra fosse concluída neste ano, mas atrasou por causa do excesso de chuvas. No ano passado, os trabalhos nessa obra duraram só dois meses e 20 dias. Em média, é uma região onde se trabalha apenas quatro meses por ano e, além disso a maior parte dos insumos da obra tem que vir de longe”, acrescentando que cerca de 60% da rodovia BR-364 está pronta, com a pavimentação e pontes concluídas.

Única ligação rodoviária entre Amazonas e Roraima com o centro-sul do país, a BR-319, que liga as cidades de Porto Velho (RO) e Manaus (AM), foi inaugurada durante o regime militar, em 1973. Até 1984, segundo o Dnit, linhas de ônibus ainda usavam a rodovia, mas o tráfego ficou praticamente inviável, porque a manutenção foi abandonada. Hoje, a rodovia tem cerca de 700 quilômetros e o investimento previsto de 2007 a 2010 é de R$ 892,9 milhões. Dada a situação atual, será preciso praticamente reconstruir a estrada. Em tempos de cheia, no entanto, os rios da região avançam sobre diversos trechos da estrada. Por isso, será necessário construir 49 pontes em 380 km da via para permitir a comunicação dos rios e evitar que a água cubra o asfalto. O chamado "trecho do meio", do km 250 ao km 655, ainda aguarda licenciamento do Ibama para início de obras. “A BR-319 já existe, não precisamos tirar uma árvore do chão para conclui-la, só que as ONGs transformam as obras numa verdadeira guerra. É uma corrida com obstáculos ", diz Pagot.

Na BR-230, a lendária Transamazônica, terceira maior rodovia do Brasil, com 4,9 mil km de extensão, boa parte da estrada está em fase de licitação e preparação para as obras. No trecho que corta o Pará, o orçamento atual para os serviços é de R$ 701,3 milhões, dos quais R$ 156,6 milhões já foram aplicados. Na Transamazônica, diz Pagot, as dificuldades não são apenas as chuvas, mas as discussões socioambientais. "Há trechos em que falta anuência de organizações indígenas."

Segundo o Dnit, as obras da BR-230, que passa a cem quilômetros do local onde será instalada a usina hidrelétrica de Belo Monte, já receberam autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para serem executadas, mas falta ainda a anuência de algumas organizações indígenas "Somente após a liberação das sociedades indígenas é que podemos pedir a liberação das obras ao Ibama.", confirma Pagot.

Já as obras da emblemática BR-163, no trecho que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), começaram no fim dos anos 60 e até hoje 40% dela não foram concluídos. "Acabamos de conseguir as últimas licenças ambientais e 100% dos prestadores de serviços estão contratados", comenta Pagot. As últimas licenças saíram em maio deste ano e a conclusão da obra, que prevê a pavimentação de 1.055 quilômetros da rodovia, tem investimento total de R$ 1,4 bilhão e é prevista para dezembro do ano que vem.

A importância logística dessas rodovias (todas listadas nas obras do PAC) para a região Norte é de fácil entendimento e mensuração. Menos evidente, porém, é a avaliação do seu significado estratégico para a integração nacional, ocupação e controle territorial, assim como para a indução da industrialização da Amazônia. Por isso mesmo, é de todo pertinente que os atuais candidatos à Presidência da República para as próximas eleições se comprometessem, de alguma forma, com a conclusão dessas rodovias até 2012.

Notas:
[1]Governo quer concluir, até 2012, estradas dos anos 60, Valor, 10/08/2010

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O carvão e o aquecimento global

Por: Editoria do Alerta em Rede

Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a China ultrapassou os Estados Unidos no ano passado como o país de maior consumo de energia do planeta. Mesmo que esperado a algum tempo, o impacto simbólico do fato não é trivial, como comenta Fatih Birol, da AIE: "À medida que a China ultrapassa os Estados Unidos como a maior consumidora de energia do mundo, isso deixa de ser apenas uma questão doméstica para a China e passa a ter repercussões para o resto do mundo, não só em termos de abastecimento, mas também na maneira em que a energia é consumida". [1]

Atualmente, a principal fonte energética da China é o carvão, que responde por cerca de metade de suas necessidades e gera 80% da eletricidade do país. Como possui enormes reservas de carvão, as limitações de sua utilização pela China se dará muito mais por questões logísticas que ambientais. É fato conhecido que a malha ferroviária do país enfrenta importantes estrangulamentos exatamente devido ao transporte de carvão das minas para as termelétricas que, para satisfazer as necessidades, vêm sendo construídas ou ampliadas a uma taxa quase semanal. Por exemplo, na província de Shanxi, no norte da China, existem cerca de 1.500 minas de carvão em funcionamento obrigando que filas intermináveis de trens trafeguem dia e noite a caminho do porto de Qinhuangdao, na costa leste do país.

Por outro lado, também nos EUA o carvão tem importância energética vital para o país onde, igualmente, é fonte de cerca da metade da eletricidade gerada. Quadro similar ocorre na Alemanha, tida pelos “verdes” como vanguardeira na utilização de energias renováveis, leia-se eólica e solar. Semana passada, por exemplo, o governo alemão recusou a diretriz o órgão executivo da União Europeia (UE) que deseja que os membros do bloco cessem os subsídios à indústria carvoeira em quatro anos. Na Alemanha, entretanto, há três anos, o governo federal havia se comprometido a manter o auxílio até 2018. [2]

De fato, o carvão está passando por uma retomada fenomenal em toda parte, com demanda crescente, transformando-o na segunda maior fonte de energia em todo o mundo, depois do petróleo. Especialistas da AIE estimam que a demanda pelo carvão aumentará nas próximas duas década muito mais do que por qualquer outra fonte de energia e passará dos níveis atuais, de cerca de 6,7 bilhões de toneladas por ano, para quase 10 bilhões de toneladas em 2030. A China e a Índia são as principais responsáveis pelo aumento da demanda de carvão, e os dois países já respondem por mais da metade da demanda global. [3]

Ocorre que nenhum outro combustível fóssil está disponível em tamanha quantidade; as atuais reservas de carvão durarão por gerações. Nenhum combustível fóssil é tão barato: custa apenas cerca de 5 centavos de euro (cerca de US$ 0,06 ou R$ 0,11) para gerar um quilowatt-hora de eletricidade a partir do carvão, comparado com cerca de 40 centavos (R$ 0,90) a partir da energia solar. E nenhum combustível fóssil tem uma distribuição tão ampla. Todos os continentes têm reservas adequadas e, diferentemente do petróleo, a maior parte dessas reservas são encontradas em regiões relativamente estáveis em termos geopolíticos, como a América do Norte, Europa e Austrália.

Só mesmo os ingênuos ou os mal-intencionados poderiam acreditar que estes países abririam mão do carvão, tido como principal fonte de emissão antripogênica de CO2, para combater um suposto aquecimento global.

Notas:
[1]China consome mais energia e amplia influência no setor, Valor, 20/07/2010
[2]Alemanha rejeita proposta europeia e diz que manterá subsídio a minas até 2018, DW, 21/07/2010
[3]Demanda mundial de carvão é cada vez maior, Der Spiegel, 25/07/2010

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Fazendas lá, Ambientalistas aqui...

Por Denis Lerrer Rosenfield *


Solicitado por vários leitores a voltar ao tema das ONGs, mostrarei a vinculação entre os "fazendeiros" americanos e a atuação de ONGs ambientalistas no Brasil. Trata-se de uma curiosa conjunção entre o agronegócio americano, ONGs ambientalistas (aqui, evidentemente), grandes empresas, governos e "movimentos sociais" no País.

A National Farmers Union (União Nacional dos Fazendeiros) e a Avoided Deforestation Partners (Parceiros pelo Desmatamento Evitado), dos EUA, encomendaram um estudo, assinado por Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, publicado em 2010, para analisar a relação entre o desmatamento tropical e a competitividade americana na agricultura e na indústria da madeira. O seu título é altamente eloquente: Fazendas aqui, florestas lá.

O diagnóstico do estudo é que o desmatamento tropical na agricultura, pecuária e de florestas conduziu a uma "dramática expansão da produção de commodities que compete diretamente com os produtos americanos". Ou seja, é a competitividade do agronegócio brasileiro que deve ser diminuída para tornar mais competitivos os produtos americanos. O estudo é tão detalhado que chega a mostrar quanto ganhariam os Estados americanos e o país como um todo. E calcula que o ganho americano seria de US$ 190 bilhões a US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030.

As campanhas pela conservação das florestas tropicais e seu reflorestamento não seriam, nessa perspectiva, uma luta pela "humanidade". Elas respondem a interesses que não têm nada de ambientalistas. Ao contrário, o estudo chega a afirmar que os compromissos ambientalistas nos EUA poderiam até ser flexibilizados segundo as regras atuais, que não preveem nenhum reflorestamento de florestas nativas, do tipo "reserva legal", só existente em nosso país. Também denomina isso de "compensação", que poderia ser enunciada da seguinte maneira: mais preservação lá (no Brasil), menos preservação aqui (nos EUA).

Cito: "Eliminando o desmatamento por volta de 2030, limitar-se-iam os ganhos da expansão agrícola e da indústria da madeira nos países tropicais, produzindo um campo mais favorável para os produtos americanos no mercado global das commodities." Eles têm, pelo menos, o mérito da clareza, enquanto seus adeptos mascaram suas atividades.

Esse estudo reconhece o seu débito com a ONG Conservation International e com Barbara Bramble, da National Wildlife Federation, seção americana da WWF, igualmente presente em nosso país.

A Conservation International é citada duas vezes na página de agradecimentos, suponho que não por suas divergências. Mas ela publica em seu site um artigo dizendo-se contrária ao estudo. A impressão que se tem é a de que se trata de um artifício retórico para se desresponsabilizar das repercussões negativas desse estudo em nosso país e, em particular, na Câmara dos Deputados. Logicamente falando, sua posição não se sustenta, pois ao refutar as conclusões do artigo não deixa de compartilhar suas premissas. A rigor, não segue o princípio de não-contradição, condição de todo pensamento racional.

Por que não defende a "reserva legal" nos EUA e na Europa, segundo os mesmos princípios defendidos aqui? Seria porque contrariaria os interesses dos fazendeiros e agroindustriais de lá? Entre seus apoiadores se destacam Wall Mart, McDonald"s, Bank of America, Shell, Cargill, Kraft Foods Inc., Rio Tinto, Ford Motor Company, Volkswagen, WWF e Usaid. Os dados foram extraídos de seu site internacional.

Barbara Bramble é consultora sênior da National Wildlife Federation, a WWF americana. Sua seção brasileira segue os mesmos princípios e modos de atuação, tendo o mesmo nome. Se fosse coerente, deveria lutar para que os 20% de "reserva legal", a ser criada nos EUA e na Europa, fossem dedicados à wildlife, a "vida selvagem". Entre seus apoiadores e financiadores (dados extraídos de sua prestação de contas de 2009), destacam-se o Banco HSBC, Amex, Ibope, Natura, Wall Mart, Conservation Internacional, Embaixada dos Países Baixos, Greenpeace e Instituto Socioambiental (ISA). A lista não é exaustiva. Observe-se que a ONG Conservation International reaparece como parceira da WWF.

Ora, essa mesma consultora é sócia-fundadora do ISA, ONG ambientalista e indigenista. A atuação dessa ONG nacional está centrada na luta dita pelo meio ambiente e pelos "povos da floresta". Advoga claramente pela constituição de "nações indígenas" no Brasil, defendendo para elas uma clara autonomia, etapa preliminar de sua independência posterior, nos termos da Declaração dos Povos Indígenas da ONU.

Ela, junto com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), possui o mais completo mapeamento dos povos indígenas do Brasil. Sua posição é evidentemente contrária à revisão do Código Florestal. Dentre seus apoiadores e financiadores, destacam-se a Icco (Organização Intereclesiástica de Cooperação para o Desenvolvimento), a NCA (Ajuda da Igreja da Noruega), as Embaixadas da Noruega, Britânica, da Finlândia, do Canadá, a União Europeia, a Funai, a Natura e a Fundação Ford (dados foram extraídos de seu site).

O ISA compartilha as mesmas posições do Cimi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do MST. Ora, esses "movimentos sociais", verdadeiras organizações políticas de esquerda radical, por sua vez, seguem os princípios da Teologia da Libertação, advogando pelo fim do agronegócio brasileiro e da economia de mercado, contra a construção de hidrelétricas e impondo severas restrições à mineração. Junto com as demais ONGs, lutam por uma substancial redução da soberania nacional.

Dedico este artigo aos 13 deputados, de diferentes partidos, e às suas equipes de assessores que tão dignamente souberam defender os interesses do Brasil, algo nada fácil nos dias de hoje.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. Artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 19/07/2010.