quarta-feira, 18 de maio de 2011

Artigo: Quanto Custa Criar um Novo Estado?

Por Sandro Araújo*

Imagine a situação: corre o ano de 1985. Você é um empreendedor e resolve estabelecer uma micro-empresa na cidade de Tocantinópolis, Goiás. Para obter a documentação necessária à instalação da empresa é necessária ao menos uma ida à capital do estado. Entre Tocantinópolis e Goiânia a distância a ser percorrida é de 1287km. De carro, no mínimo 16 horas pela rodovia Belém-Brasília. Não é tão simples abrir uma micro-empresa… Noutra situação, um advogado da cidade de Araguaína precisa obter um habeas corpus para um cliente que foi preso. A ida a Goiânia é obrigatória para a obtenção da liberdade do cliente. Deverá percorrer 1140km em pelo menos 13 horas e meia. Isto apenas de ida! Outro colega, da cidade de Araguatins, cujo cliente ficou inconformado com uma decisão judicial desfavorável, precisa ir ao Tribunal de Justiça em Goiânia para acompanhar um recurso judicial. São 1381km a percorrer, boa parte pela mesma Belém-Brasília.

Estes três casos ilustram a realidade vivida pela população do atual estado do Tocantis para exercer direitos simples ligados à cidadania: o acesso à justiça ou mesmo a regularização de uma empresa. Noutros casos, pessoas com graves problemas de saúde também precisavam percorrer distâncias semelhantes à busca de atendimento nos hospitais da capital goiana. Ressalte-se que boa parte dos atendimentos públicos de saúde era disponível apenas na capital.

O Brasil é um país enorme. Mesmo com o desmembramento de Tocantins, ocorrido após a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, o acesso aos serviços públicos citados ainda demanda boa dose de paciência na estrada. Mas hoje o advogado de Araguatins precisa percorrer “apenas” 617km para chegar ao Tribunal de Justiça. Seu colega de Araguaína, 375km. E o empresário de Tocantinópolis, 521km. Em todos os casos, houve a economia de pelo menos 750km.

Quem vive em Santana do Araguaia, cidade do sul do Pará, quase divisa com Tocantins e Mato Grosso, para abrir uma empresa, ter acesso à saúde ou ainda lidar com processos no Tribunal de Justiça do estado, precisa percorrer 1203km. Quem vive em Itaituba, no Oeste do Pará, quase divisa com o Amazonas, percorre 1374km para ir à capital. E o caminho inclui travessia em balsa. Outras cidades, como Novo Progresso, exigem do cidadão o percurso de 1703km até a capital! Detalhe: todas as cidades citadas possuem acesso “facilitado” pelas poucas rodovias federais que cortam o território paraense.

Na esteira da aprovação pelo Congresso Nacional da realização de plebiscitos para a possível criação dos novos estados de Carajás e Tapajós, reportagem divulgada no portal g1 alerta: “Tapajós e Carajás seriam estados inviáveis, calcula economista do Ipea” . Em resumo, o estudo informa que “os estados do Tapajós e de Carajás teriam, respectivamente, um custo de manutenção de R$ 2,2 bilhões e R$ 2,9 bilhões ao ano“. Diz ainda: “Diante da arrecadação projetada para os dois estados, os custos resultariam num déficit de R$ 2,16 bilhões, somando ambos, a ser coberto pelo governo federal” e completa: “O PIB do Pará em 2008, [...] foi de R$ 58,52 bilhões, e o estado gastou 16% disso com a manutenção da máquina pública. O estado do Tapajós gastaria cerca de 51% do seu PIB e o de Carajás, 23%. A média nacional é de 12,72%.“

Tratar a viabilidade ou a inviabilidade da criação de uma nova unidade da federação pela simples comparação do custo de instalação da mesma com o PIB que gera é, no mínimo, desleal. De fato, um das principais motivadores para a criação é exatamente o estímulo ao desenvolvimento da região – o que, por si só, é enorme catalizador e impulsionador ao crescimento do PIB. Dados do IBGE permitem verificar esta afirmação: enquanto o PIB Nacional, a preços correntes, saltou de R$ 1.064.999.712 em 1999 para R$ 3.031.864.490 em 2008, com aumento de 284,7%, no estado do Tocantins o PIB saltou de R$ 3.015.695 para R$ 13.090.837, ou seja, 434%. Daí já se depreende que, pelo “simples” crescimento do PIB, o valor a ser gasto na manutenção de um novo estado, comparativamente ao PIB, tende a decrescer. Aplicada a mesma projeção, digamos, ao futuro estado do Carajás, em dez anos o custo da máquina administrativa em relação ao PIB deveria cair de 23% para 15%. Note-se que, em 1999, Tocantins já contava com 10 anos de instalação: nos anos que se seguiram à emancipação, a taxa de crescimento da economia do estado foi ainda mais vigorosa.

Mais uma vez: não se deve julgar a “viabilidade” de uma nova unidade da federação exclusivamente pelo custo de instalação. A máxima econômica do “Custo x Oportunidade”, talvez aqui mais que noutras situações, é válida. Imagine-se a quantidade de oportunidades que se seguem à criação de uma nova capital, por exemplo. Na década de 1930, Goiânia surgiu e hoje é uma das mais dinâmicas cidades do país. Na década de 1950, iniciou-se a construção de Brasília e a capital nacional é hoje Patrimônio Mundial, abrigando mais de 2 milhões de pessoas: um em cada 100 brasileiros reside no Distrito Federal! Instalada de fato em 1º de janeiro de 1990, Palmas hoje abriga mais de 200 mil pessoas. Se antes os goianos do norte precisavam se deslocar para Goiânia para tudo, inclusive para o acesso ao ensino superior, hoje Palmas conta inclusive com uma Universidade Federal.

Outro aspecto da discussão sobre o custo efetivo da instalação de um novo estado, é sinalizado pelo próprio estudo do IPEA. Se somados os futuros estados de Tapajós e Carajás custariam R$ 5,1 bilhões por ano para funcionar, já arrecadam atualmente R$ 3 bilhões: ou seja, o “complemento” necessário é de R$ 2,1 bilhões. Comparativamente, o que são, hoje, 2 bilhões de reais dentro do Orçamento Geral da União?

O orçamento da união, em 2011, prevê gastos da ordem de R$ 1.287.501.217.949 – quase um trilhão e trezentos bilhões de reais! Outros R$ 678.514.678.262 são previstos para a “rolagem da dívida pública”. Tomando-se por base o estudo do IPEA, o acréscimo de 2,1 bilhões necessários à instalação corresponderiam a 0,16% do orçamento 2011!

O Ministério das Cidades possui previstos para 2011 gastos da ordem de 22 bilhões de reais. O Ministério das Comunicações, por sua vez, tem orçamento de 4,37 bilhões em 2011. As Transferências a Estados, Municípios e ao Distrito Federal, de onde sairiam boa parte dos recursos para a instalação dos novos estados, possuem previsão de 178 bilhões de reais em 2011. Bastariam 1,18% destas transferências para viabilizar a instalação de Carajás e Tapajós!

A criação dos estados é, naturalmente, um jogo de perde-e-ganha. Se a população residente nos novos estados tem muito a ganhar, é de se esperar reação contrária por parte dos residentes no que restará sendo o estado do Pará. De fato, se Carajás e Tapajós forem criados, o Pará verá seu território reduzido a apenas 17% do atual. No caso do Tocantins, Goiás perdeu “apenas” 45% de seu território, conservando a parte mais rica, situada ao sul. Por seu turno, o “novo” Pará ainda permaneceria com 60% da população atual e boa parte do PIB. A perda de território, porém, não parece ser bem “digerida” pelos “novos” paraenses. O próprio governador do estado, Simão Jatene, afirmou ser favorável ao plebiscito, mas sublinhou que a população “deve ter total clareza do que vai escolher e suas reais consequências”.

O IPEA, como órgão vinculado ao Governo Federal, que ficaria com a “conta” da instalação dos novos estados, faz o jogo do “é inviável”, vai ser “caro”, o contribuinte não aguenta mais… Em artigo publicado em sítio dedicado ao estado do Carajás, é possível ver um aspecto curioso sobre a Divisão Territorial no Brasil, especialmente quando da criação do estado do Paraná – hoje um dos mais pujantes do país, o qual, à época e para os burocratas de plantão, era também considerado “inviável”.

A aprovação dos plebiscitos, pelo Congresso Nacional, é um enorme passo para a eventual criação dos novos estados. A população diretamente envolvida será ouvida e poderá, democraticamente, decidir seu futuro. A conta da instalação pode ser alta. Mas os diversos exemplos permitem prever que todos ganharemos: os paraenses, os carajaenses os tapajoenses e o resto do Brasil.

A justificativa do custo, como demonstrado, não pode e não deverá ser óbice à realização do anseio da população.

*Sandro Araújo é Mestre em Administração pela Fundação Getúlio Vargas, Advogado – especialista em Processo Civil pela Universidade Gama Filho, e Analista de Sistemas pela Universidade Católica de Goiás. Trabalhou no Banco do Brasil, no Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO, no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e na Agência Nacional de Águas. Em 2005, esteve no Timor-Leste, em projeto de cooperação internacional patrocinado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, junto ao Parlamento Nacional daquele país. Atuou como Professor Universitário em Brasília


Link Original: http://www.araujosam.net/2011/05/quanto-custa-criar-um-novo-estado-da-federacao/comment-page-1/#comment-635
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