segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Desapropiação milionária beneficia Grupo Revemar

Desapropriação no Pará beneficia dois empresários
Por: JOÃO CARLOS MAGALHÃES (da Agência Folha, em Marabá) e JOÃO PAULO GONDIM (da Agência Folha)

O Estado do Pará planeja gastar R$ 60,1 milhões para desapropriar 26 propriedades de uma área em Marabá (568 km de Belém) onde será construída uma siderúrgica da Vale. Estimativas do governo estadual indicam que, deste custo, 59% (R$ 35,4 milhões) se referem a dois terrenos que ocupam apenas 87,2 hectares (7,6%) dos 1.135 desapropriados.

Eles pertencem a Winston Diamantino, um dos maiores empresários da cidade, e a um de seus funcionários, Gilberto Leite, que, como presidente da Associação Comercial e Industrial do município, participou das negociações para que a Vale levasse a usina a Marabá.

Em 2006, o grupo empresarial de Diamantino doou R$ 38 mil a candidatos a deputado estadual. Desse total, R$ 18 mil foram para a hoje deputada Bernadete ten Caten (PT).

Os valores calculados para as terras de Diamantino e Leite (R$ 23,9 milhões e R$ 11,5 milhões, respectivamente) superam, em alguns casos, em 1.700% os estimados por terras contíguas às deles, pertencentes a outros proprietários, segundo as 16 estimativas a que a reportagem teve acesso.

Exemplo 1: a indenização de um terreno chamado de lote 06 (85 hectares) está estipulada em R$ 3,8 milhões. Proporcionalmente, isso representa mais de 860% de diferença em relação aos R$ 23,9 milhões pelos 55,3 hectares de terra de Diamantino contíguos a esse lote.

Exemplo 2: Cada um dos 33,2 hectares do dito lote 02 valem, segundo o governo paraense, R$ 30,7 mil. Diferença de mais de 1.000% em relação à área de Leite, da qual é uma continuação, e de cerca de 1.300% em relação à de Diamantino.

A maior disparidade, porém, se dá em relação ao pagamento por terras sem benfeitorias. A diferença entre o valor da "terra nua" no lote 06 e na área de Leite é de 1.700% --R$ 19,8 mil por hectare contra R$ 357,6 mil. Se comparada com à de Diamantino (R$ 278,1 mil por hectare de "terra nua"), a diferença é de mais de 1.300%.

No dia 6 de agosto, três semanas após o primeiro contato da Folha questionando as desigualdades, o governo do Pará disse que iria refazer os laudos. A Procuradoria Geral do Estado, que negocia com os proprietários, nega irregularidades.

A reportagem ouviu cinco dos que foram desapropriados pelo decreto da governadora Ana Júlia Carepa (PT). Nenhum disse que as terras de Diamantino e Leite estão supervalorizadas. Um deles disse que o governo avaliou corretamente só os terrenos dos dois. Para ele, os preços elevados se justificam pela localização das áreas, próxima ao rio Tocantins e à rodovia Transamazônica.

O Ministério Público Estadual pediu ao governo do Pará documentos para esclarecer a desigualdade. Surgiram também ações na Justiça por parte dos que se dizem injustiçados.
Em uma das ações foi concedida liminar para paralisar o processo de desapropriação, mas ela acabou sendo derrubada pelo Tribunal de Justiça.

As ações também contestam o interesse público da desapropriação, visto que quem se beneficiará diretamente com o processo será a mineradora, uma empresa privada.
A Vale afirmou que ainda não foi definido se ela reembolsará o governo pela quantia que vier a ser paga aos desapropriados ou se receberá os 1.135 hectares como doação.

O imbróglio pode atrapalhar a construção da siderúrgica, na qual devem ser gastos aproximadamente R$ 6 bilhões. Reivindicação antiga do Pará, o projeto só chegou ao Estado com a ajuda do presidente Lula e da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).

A expectativa inicial é que a solução para o problema estivesse encaminhada até o dia 25 deste mês, quando Dilma iria a Marabá para a assinatura de um termo de compromisso da construção da usina. Mas a disputa deve se alongar, já que, por enquanto, poucos proprietários aceitaram os valores do governo. Diamantino é um dos que aceitaram.

Outro lado
Em nota, Maurílio Monteiro, secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Pará, afirmou que, devido às discrepâncias entre os valores das áreas desapropriadas, serão feitas novas avaliações. Segundo ele, a decisão foi tomada pela governadora Ana Júlia Carepa (PT) há quatro semanas, depois de receber questionamentos de proprietários de terras que teriam sido subavaliadas. A data coincide com o início da apuração da Folha.

De acordo com Monteiro, os laudos feitos até aqui levaram em consideração benfeitorias e acessibilidade,ou seja, se as propriedades são "servidas ou não por rodovia federal, com acessibilidade ou não pelo rio Tocantins, [o que as deixaria] mais valorizadas, pois o rio será alvo de uma hidrovia e da construção de um porto público".

Os terrenos que a Folha comparou têm acesso à rodovia, ao rio ou a ambos.

O procurador-geral do Pará, Ibrahim Rocha, condutor das negociações com os desapropriados, afirmou não ter conhecimento técnico suficiente para explicar as disparidades.

Gilberto Leite, um dos proprietários que teve o terreno avaliado com valores acima dos demais, não soube dizer que qualidades sua área teria para justificar as diferenças.

A Folha deixou recados para Winston Diamantino, cuja terra também foi bem avaliada. Até a conclusão desta edição, ele não havia ligado de volta.

Na sexta-feira, a reportagem ligou para a assessoria e para a casa da deputada estadual Bernadete ten Caten (PT), mas não conseguiu localizá-la.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a mineradora Vale afirmou que o processo de desapropriação é responsabilidade do governo do Estado do Pará.

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